O problema não é teu é meu


Faz uma semana que fui a uma palestra sobre um dos temas que nos marca desde que nascemos e que para mim contínua a ser um poço de desafios e medos: “Os Relacionamentos”.

Ainda ontem se celebrou as relações a dois. Mas tudo na nossa vida são relacionamentos: família, amigos, colegas, conhecidos – bem ou mal, de forma ligada ou desligada, apaixonados ou indiferentes, somos seres relacionais.

Yasmin Espavo, falou-nos ao coração, como sempre fala, pausadamente mas de passos irrequietos, olhando nos olhos e expressando na voz uma sabedoria que vai para além do que se possa aprender sentado numa sala de aula. Para os mais rotuladores, a sua imagem pode ser categorizada como zen: gosta de andar descalça para sentir a ligação com a Mãe Terra e no final de cada conversa oferece a todos uma reverência de respeito e um Xi -Coração virtual desarmante. Fala-nos das coisas da vida com uma transcendência de certa forma desconcertante para quem não acompanhe por outros meios estas questões existenciais.

Yasmin defende que é urgente uma educação emocional e que a crescente procura das áreas de Desenvolvimento Pessoal reflecte essa mesma necessidade.

Pouco do que foi dito é novo e faz muito parte do senso comum, mas é bom relembrar de quando em vez. Aqui fica um resumo do que se falou:

“Costumamos dizer que as crianças são cruéis. As crianças na realidade são verdadeiras. Apontam as diferenças como lhes é ensinado. São cruéis porque não lhes é dito que a diferença é uma coisa boa.

É relacionando-nos que fazemos uma grande aprendizagem sobre a vida e sobretudo sobre nós próprios, na medida em que um relacionamento serve para espelhar o que somos.

Os nossos pais são primeiro agente de educação emocional e social. Eles passam-nos o testemunho de uma série de valores e noções sobre o que está certo e errado e são o nosso primeiro embate nisto dos relacionamentos. É na relação com eles que começamos a perceber o que queremos e o que não queremos ser numa reacção de imitação ou rejeição.

Na nossa sociedade é dada primazia à família em detrimento do indivíduo. A família é cultivada em abnegação do Eu. Queremos que gostem de nós como somos e nos aceitem incondicionalmente mas aprendemos a jogar o jogo do que se espera de nós e esquecemo-nos de sentir o meu “Eu” profundo.

Ao crescermos é-nos feita uma espécie de lavagem cerebral acerca do que é suposto ser um relacionamento. E isso passa de geração em geração.

Nas relações a dois, procuramos o homem ou a mulher ideal. Um Príncipe ou uma Princesa. Talvez alguém sem defeitos; talvez alguém que nos resgate da prisão em que nos sentimos colocados. Projectamos necessidades e desejos e temos uma imagem do que é o ideal: talvez uma mulher alta, esguia, loura, de olhos claros, lindíssima, daquelas que faz gosto ter e que fazem inveja aos nossos amigos; talvez um homem musculado e cuidado e simultaneamente bom marido e bom pai de filhos.

E depois admiramo-nos com a quantidade de depressões manifestas ou escondidas. Mas essa doença nada mais é que uma escapatória, é uma forma do nosso eu nos dizer que já chega de chega de estarmos distantes de nós próprios.

Quando uma relação nos deixa insatisfeitos temos que pensar como fomos lá parar.
As relações espelham como reagimos.
Muitas vezes vemo-nos a lidar com pessoas que nos fazem sempre o mesmo. Quer no trabalho, nas amizades, nas relações a dois e até na família.
E então pensamos: “Tenho é que encontrar outra pessoa, uma pessoa que seja como eu espero/gosto/quero. Alguém como eu.”
Achamos que o outro deve pensar, agir ou sentir como nós. E atiramos para fora um acusador: “Mas porque é que és assim?”
Procuramos e tentamos, mas não encontramos alguém como nós.
1º porque não percebemos que vamos sempre atrair o mesmo tipo de relações, porque é o nosso modo de sentir que tem que mudar
2º porque andamos tão cheios de máscaras que no final atraímos uma máscara também.
E então alguém “compra” a imagem que projectei e como uma máscara não se consegue manter por muito tempo, surpreendemo-nos quando quem comprou quer fazer uma “devolução à loja”, porque se desiludiu (ou seja havia uma ilusão).

Temos uma sociedade competitiva e em que a conquista é a demonstração de poder. A maioria dos adultos têm relações de irritabilidade porque travam lutas de egos e intelectos, através de palavras e acções, em que não as pessoas não se mostram como são para que o outro sinta sempre essa excitação e desejo. Se não respondemos à letra somos apelidados de moles ou idiotas.
Mas se precisamos de provar o nosso ego é sinal de que temos níveis de auto-estima muito baixos. E isso traduz-se normalmente em prepotência e arrogância.

Cada um de nós procura no outro que goste de si como é. Mas como é que isso pode acontecer se somos uma fachada e nem sabemos quem somos?

As relações de hoje pautam-se por aparências: “Ela veste-se bem para mim, quer dizer que gosta de mim”. “Ele traz-me flores, quer dizer que gosta de mim”. Se eles deixam de fazer isto: “Ele/ela já não gosta de mim!”

Quando o que vivemos se vê aquém das nossas expectativas, não falamos sobre o assunto e vamos deixando andar. Vemos o outro como alguém que nos completa e preenche o que nos falta.

É muito fácil fecharmo-nos como o eremita. É mais fácil isolarmo-nos. Mas só uma relação nos “devolve” crescimento e o que sou e quero afinal.

O que importa reter é que produzimos sistematicamente pensamentos, emoções e palavras que têm uma determinada vibração. Vibramos numa determinada frequência e atraímos vibrações idênticas. A isto normalmente chamamos: energia.
Vibramos em carência, em desejo, em aparência, em vitimização, em agressão… E atraímos o nosso oposto do espelho: como vitima atraio o agressor e vice-versa, ou atraio alguém ainda mais vítima que eu.
Quantas pessoas não se sujeitam a violência, sobretudo verbal? Através de um chefe, um colega, um marido ou mulher, um pai, numa demonstração da nossa fraca auto-estima.

Um cientista japonês fez uma experiência com água (que é conhecida por ser um bom condutor) e sujeitou água a palavras faladas e escritas e depois congelou e fotografou os cristais de água. Os resultados forma espantosos. Palavras com cargas de significado positivas davam cristais harmoniosos e belos, palavras com conotações negativas davam cristais desequilibrados e estranhos. Se a vibração contida nas palavras têm este poder na água imaginem em nós!
Produzimos sistematicamente vibrações, pensamentos, imagens. Que nos afectam e fazem vibrar positiva ou negativamente.

Só olhando para dentro percebemos o que se passa connosco. Note-se: é connosco!
Trocar de marido, de mulher, de amigos não resolve se sistematicamente atraímos o mesmo tipo de relações. Quando as pessoas estão insatisfeitas ou infelizes têm que perceber a sua infelicidade em vez de culpar o outro por me sentir assim.
Tem que partir do nosso centro e poucas pessoas conseguem fazer essa paragem e avaliar-se, a partir de dentro.

Caminhar para o amor incondicional significa respeitarmo-nos, saber quem sou. Estamos muitas vezes mais preocupados em saber o que é mais importante para o outro para sermos aceites ou para lhe dizermos o que deve fazer. Ao fim de um tempo sentimo-nos insatisfeitos. Temos relacionamentos físicos, financeiros e intelectuais. Mas perdemos a capacidade de falar de coração para coração.

Uma mãe dizia um dia destes: “gosto do meu filho incondicionalmente mas…”, onde está o incondicional no “mas”? No rol de coisas que esse filho podia melhorar?

No dia em que não encontrarmos palavras para gostar de alguém, quando não for porque me dá segurança, porque me dá prendas, porque faz o que eu quero, porque é bonito ou inteligente, porque tem uma imagem que me agrada, etc. e gosto daquele ser sem ter que ter qualquer razão… aí falamos de amor incondicional.

O que temos que perceber é que os relacionamentos traduzem o que estou a aprender. Mudar a nossa vibração não é sinónimo de mudar de pessoas, mas mudar os nossos hábitos e formas de pensar.

Sistematicamente tentamos mudar os outros. O amor mais completo é o amor sem forma, sem expectativas.
Por vezes temos que deixar seguir: numa separação, numa morte, no crescimento dos filhos, etc. Temos que estar preparados para amar de tal forma que a certa altura podemos dizer ao outro: “Vai. Não te prendo mais.”

Temos que parar de estar fechados à espera que alguém venha abrir. Temos que deixar de falar com os outros com as nossas necessidades, carências e egos e falar com o coração aberto. Para bem das relações.

Educação emocional significa no fundo dizer: “Eu sou como eu quiser” e não “Eu sou como eu sou”.

Como diz Dalai Lama “A maioria do que somos foi aprendido”. Então como é que podemos ter educação emocional? É preciso conhecermo-nos, fazendo algo que se chama: Tomada de Consciência.

Na prática temos que fazer o mesmo que os desportistas fazem: observar e avaliar o nosso desempenho de forma a melhorar.
Num 1º passo significa observarmo-nos de fora (gravarmo-nos em vídeo ou escrever um diário por ex.), para percebermos (sem julgamentos) como reagimos.
Depois temos que avaliar o que estamos a fazer e onde é que isso nos leva.
Num 2º passo eu já dou conta nas situações do dia a dia que me levam pelo caminho que não quero seguir. Aí “engasgamo-nos”, o que é natural. Nenhuma criança aprende a andar sem andar cambaleante e sem cair e se levantar.

O grande entrave para as mudanças é acharmos que temos todo o tempo do mundo, esquecendo-nos que somos mortais.”