BABEL


Fui ver o filme Babel com uns amigos. No final, as opiniões do "gostei/não gostei" divergiam.
É talvez preciso lembrar que a história bíblica é uma parábola sobre a soberba humana. Aqui é abordada a globalização, mas a ainda actual dificuldade humana de sair da sua própria realidade.

A narrativa em si nada tem de extraordinário, são os locais e sobretudo as personagens (caracterizados quase cruamente como naquela realidade que tentamos esquecer quando vamos ao cinema) que nos fazem render. E talvez seja esse apagar do aspiracional glamour Hollywoodesco que o torna marcante.

É um filme em que tudo dança num equilibrio pautado pelos contrastes de espaço. Ora estamos em África, ora no México, ora na Ásia. Numa cadência de vivências intrinsecamente ligadas entre si. Numa representação de causa-efeito.

A grande riqueza de uma imagem reside no facto de nos conseguir transportar para um imaginário do que não foi dito nem mostrado mas está lá omnipresente para quem quiser ver. Mais do que o está explicito, sempre cabe ao espectador fazer esta desconstrução.

O jogo de personagens leva-nos à representação complexa de uma rede de emoções humanas:
- Uma pobre família vivendo numa zona árida, numa analogia às suas próprias vidas, mostra-nos o sentido de isolamento e sobrevivência;
- O jovem pastor que espia a nudez da própria irmã, toca em questões como a adolescência e o despontar da sexualidade, temas também abordados num contexto geográfico e cultural completamente diferente, pela mão de uma jovem asiática, que nos retrata ainda a constante busca de sensações e o sentimento de enorme solidão vivido numa cidade repleta de gente, e em que a sua surdez-mudez mais parece uma metáfora das suas emocões deficientes - porque demasiado ávidas de carinho e atenção - cuja carência angustiante os outros rejeitam;
- Uma ama dedicada que se vê deportada para o México, levando consigo culpa e dor;
- Um guia que recusa o dinheiro que o turista americano lhe quer dar no final de 5 dias de albergue à mulher ferida, fazendo-nos conseguir quase tocar sentimentos como generosidade e gratidão;
- A dor psicológica que dói muitas vezes mais que a fisica, alcança-nos através do casal que perdeu um filho bebé e em que a mulher foi baleada, e não se terá sentido ela assim no momento da perda?
...E muito mais nos chega com mestria e uma nota de peso e dramatismo.

São retratadas diferenças, preconceitos... mas mais do que choques de culturas, é abordado o ser humano, na sua capacidade de amar, na sua fragilidade, na forma como todos estamos ligados.

No final, este é um daqueles filmes que fazem pensar e que não me deixou indiferente.

Su.