Textos

Andava a vasculhar as minhas papeladas soltas e encontrei um escrito de 1992 que recebeu um prémiozito num concurso literário lá da escola em género conto. Ora aqui vai.

"Confrontos
Ao leitor:
Procurei. Procurei aquele tema do vosso agrado. E, apenas me encontrei às voltas com uma avalanche de ideias.
Como sabem, os problemas são conflitos. Com eles vive o mundo e por isso aprendemos a resolvê-los ou até a esquecê-los.
E, como já era de esperar, no meio de tantos confrontos há sempre uma história, um retrato tão invulgar e igual que nos relembra realidades vividas, quotidianos que tão bem conhecemos, e dos quais eu vos darei dois simples e humildes exemplos.
Mas como de nada nos serve fazer já um juízo, pois esse deve ser feito em e por cada um de vós de acordo convosco, com os vossos valores e com os vossos mundos...

Esta é Diana, a que vive no centro do mundo; naquele coração batem suaves e frescos anos repletos de sonhos e de uma pequena esperança. São 15 anos físicos com pressas de viver. Superior é porém a sua idade mental e como precoce sente-se perfeitamente ciente de tal. Jovem.. igual a tantas outras distinta de todas elas.
A sua personalidade é a sua assaltante permanente, base de todas as suas preocupações com as quais se debate no meio de uma adolescência...da problemática.
Enquanto a mente se ocupa com grandes aspirações futuras o corpo é o seu “desgaste”. Lutadora, sabe que a carreira escolhida nem sempre vai ser fácil, mas é maior a sua ambição. Decidida, constrói sonhos, faz projectos, mas como resolver situação tão complicada e embaraçosa como a resolução de um comportamento? Gostava de conseguir agradar, mas aquele mundo era para ela deprimente. E aqui estava a pergunta que a aprisionava.
Simpática, amável, gentil, terna. Mostrar aos outros carinho e afeição, sendo assim vista como e interpretada como “mansa”, delicada e até ser acusada de ter expressões infantis, isto Diana sabia ser, uma faceta pela qual sem dúvida enternecia e encantava corações e rostos.
Fatal, sedutora, enigmática, confiante, autoritária, independente, segura de si, indiferente até, um sorriso fechado e brilho sabido no olhar eram-lhe característicos, e esta era a outra parte, a outra faceta diferente e atraente que criava temores, incitava às emoções fortes e ao desafio, numa competição que só ela sabia gerir e coordenar.
E assim se vai debatendo entre uma espécie de tigre e de cordeiro mágicos sem saber em que “jaula” entrar. A sua indefinição toma o lugar do tempo e vai-lhe trazendo como prendas a instabilidade, a inconstância da variedade de humores e de comportamentos e como resposta ...apenas a incompreensão.
Por tudo isto ela é igual a tantos outros que ainda não se sabem encontrar, no meio de tantos traços de caracter por definir.

Naquela tarde fria de Março, o cinzento tomava conta do céu e só as árvores se moviam ao ritmo ameaçador do vento Norte. Dentro da pequena casa rústica da pobre aldeia, a penumbra invadia o espaço iluminado pelo clarão da escura lareira de pedra, que salientava dois vultos inclinados para aquela convidativa e natural fonte calorífica.
- Sabes que me preocupo contigo, não aguento mais ver-te nessa agonia. Quando chegares vais imediatamente ao médico!
Aquela voz surgiu num tom imperativo, já habitual. No entanto, Diana permanecia imóvel, com a quietude dos seus olhos que fitavam o lume e se perdiam nas cinzas e fagulhas mais leves que se levantavam e se desvaneciam no ar. Os ouvidos mantinham-se desatentos ao crepitar saboroso da lenha seca.
- A tua vida pode depender dessa visita e tu sabes bem disso – continuou a avó – Que coisa! Mas que irresponsabilidade!
As mãos de Diana seguravam a tenaz de ferro que brincava com as pequenas brasas. Os seus olhos enchiam-se de um castanho húmido, repleto de raiva e angústia... e de repente quase explodiu quando aquelas críticas já ecoavam nos seus ouvidos e a avó se preparava para continuar o sermão. Em nome de que direito era afinal chamada de irresponsável? Que sabia a sua avó dela ou da sua responsabilidade?... – “E o dinheiro?” – gritou finalmente. Será que ninguém ligava a esse pequeno grande pormenor? A situação económica de seus pais via-se claramente pouco favorável, obrigados a sair do País pelo trabalho, sujeitando-se a sacrifícios que Diana sempre tinha bem presentes e lhe davam, até certo ponto, motivação para querer vencer na vida. Estudava mas era um exemplar sem valor algum. E, apesar de todas as preocupações, a ideia de que o pai perdia a sua possível “fortuna” em jogos de azar, em casinos viciados, ocupava-lhe o primeiro lugar na sua grande lista.
Atravessava agora um período bastante difícil (apenas mais um na sua ainda curta vida), com uma doença que a debilitava. Era urgente a sua cura mas... no dia a dia, Diana de muito se via privada, a tristeza e a frustração apoderavam-se dela de quando em vez ao ver o esbanjamento abusador de suas amigas. Doía. Tanta injustiça presenciada. No seu sangue corriam demasiadas revoltas e amarguras disfarçadas por uma capa de aparente indiferença.
No entanto, não era para ela de grande importância o seu estado precário de saúde. Preferia economizar para um sonho de realização profissional, ou, quem sabe, para um futuro de felicidade ao lado do jovem aguardado com muita paciência.
A infância, pouco feliz, trazia-lhe recordações. O trabalho, o que sempre lhe roubara os pais, que a entregavam a si e a uma imensa solidão e a vendiam à sua tenra responsabilidade e cuidados. Mas sempre tinha feito as coisas pelo melhor, soube escolher, desenvolveu-se sem poder desenvolver aqueles laços de necessária amizade que queriam brotar de um chão árido e infértil, devido à brevidade com que habitavam as várias terras por onde passavam. Saboreou o gosto amargo das partidas e viu as lágrimas das despedidas, conheceu pessoas do bom e do pior, com todos os defeitos e qualidades, dotados de manhas e de ingenuidades mentirosas. E assim foi crescendo, devagar mas depressa, no seio de uma família que a privava daquilo de que tanto necessitava, que lhe dava apenas ordens. Assim cresciam também as suas ideias, os seus pensamentos e os seus receios que guardava só para si. Assim cresceu uma desconhecida, de quem nada se sabia nem se queria saber. Nunca fora aceite pelos seus pais... um preço demasiado caro para um pobre e fraco poder de compra. Na severidade de seus pais qualquer ideia ou desejo expresso, eram simplesmente castigos ou meros desinteresses. Encontrava-se naquela flor da idade já clássica das confusões à qual se impunham gerações diferentes, naturalmente. E era o sofrimento calado por um silêncio e pela falta de um amigo.
Pois é. É a vida! E da Diana nada mais se soube... e esta é a história triste com estas dificuldades a que, de certeza, já não sois sensíveis por estardes tão habituados a elas... Mas... fazei-me um favor: se virdes por aí a Diana, avisai-me, pois conheço alguém com quem tenho a certeza que gostará de se confrontar.
E, talvez assim, nela nasça uma boa esperança, talvez a consigamos curar, talvez...talvez... quem sabe?"