Supliciozinho

Há poucas coisas que me deixam mal humorada/ que fazem cair o Carmo e a Trindade/ que me deixam de candeias às avessas. E uma dessas raras coisas são as malogradas fotos. Fico como uma criança e faço uma birra que pode ir da cara de má, ao silêncio glaciar (ou à combinação das duas).
O ambiente está divertido, estou muito bem disposta a rir e a conversar, e pronto! Vem de lá uma máquina fotográfica... e com ela entra aquele tipo de música que antecede uma desgraça qualquer nos filmes.
Apontam-ma, e é como se me apontassem uma arma assassina. As minhas feições parecem mudar para plástico duro. As pessoas ajeitam-se, e no tempo que demora até premirem o gatilho a minha vontade de estar ali vai-se esvaindo pelo chão.
Mas num esforço pelas pessoas com quem estou e de quem gosto, racionalizo a coisa e negoceio comigo mesma: “Bah vai ser indolor e se não gostar apago. E é giro ficar com registos das coisas para mais tarde recordar... Na verdade até há fotos de que gosto bastante, são raras é certo, mas existem!”
E com isto lá relaxo e tento viver o momento sem fazer as cenas que comecei a fazer aí a partir dos 12 anos em que chorava e batia o pé irritada quando me queriam obrigar a tirar fotos.
O desenrolar dos acontecimentos na altura passava pela família a chamar-me tonta (ou pior) e a gozar com a minha atitude, comigo a ficar com vontade que viesse uma nave espacial e os levasse a todos e no final comigo a fugir para o meu quarto, qual bichinho do mato, sentindo-me uma incompreendida.
Depois lá me recompunha do desaforo a que me tinham sujeitado e quando as fotos eram reveladas e guardadas, desapareciam em ficheiros pouco secretos, acabando mafiosamente em pedacinhos dentro de um saco do lixo qualquer.
Analisando bem as coisas, consigo rir-me de mim própria em praticamente tudo na vida mas o espírito critico apodera-se de mim quando toca a fotos e são poucas as que gosto de exibir.
Considero ter uma auto-estima bastante saudável, mas quando dou de caras com fotos minhas com a pele mais branca que a cal, os poros da pele visiveis ou a juba desgrenhada é um supliciozinho. Nego ser aquele frame de pessoa colada numa película sem movimento. É uma sensação idêntica a ouvirmos a nossa voz gravada e não a reconhecermos porque a ouvimos "de dentro".
Há uma teoria oriental que defende que tirar uma foto é roubar a alma e há zonas onde é um grande desrespeito tirar fotografias. (Eles é que sabem!!)
Pior ainda é quando quero passar despercebida e fazem grande alarido. É como fazer uma pessoa tímida estar no centro de um palco com os focos todos apontados para ela, como fazer uma pessoa que tem horror a aranhas fica numa sala cheia delas, como obrigar quem tem fobia de espaços fechados a ficar confinado a um lugar pequeno, abafado e sem luz,... acho que já deu para perceber a ideia.
Quando mostraram a toda a gente no escritório as fotos do casamento a que fui com alguns colegas este fim de semana e eu me sentio alvo favorito, vi-me exposta e fiquei envergonhada. Se eles soubessem como me sinto de certeza que achariam que era exagero da minha parte mas é assim, toda a gente tem paranóias, a minha grande paranóia são as fotos. Podia-me dar para pior.